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ARTIGOS

Quando a regra sobrepõe o like

A regulação dos influenciadores proposta pela Lei 2023-451 na França

Por BEATRIZ HAIKALDANIEL BECKER FREDERICO BECKER

21/07/2023 09:00

Não é novidade para ninguém que, no século 21, as redes sociais assumiram protagonismo no cotidiano e imaginário coletivo, onde, na velocidade da fibra ótica, produtos são anunciados e comercializados, tendências são lançadas e culturas se misturam. A revolução digital quebrou barreiras físicas e ultrapassou as fronteiras em definitivo, mas nem tudo são flores, afinal, aspectos negativos também tomaram essa carona virtual.

Lamentavelmente, alguns atores da influência digital parecem praticar uma série de condutas irresponsáveis, cujos objetivos são o incremento das curtidas, visualizações e, consequentemente, dos ganhos financeiros a qualquer custo. O fenômeno é, no todo, bastante eclético. Promove-se, sem reflexão, a cirurgia plástica, o daytrade, os hormônios anabolizantes, o dropshipping e os chás milagrosos. A lista é extensa, pelo qual o rol exposto é meramente exemplificativo e, de forma alguma, taxativo.

Por outro lado, não se nega, aqui, a massiva importância do influenciador digital na promoção do comércio e da publicidade na atualidade, sendo estes verdadeiros vetores dos diálogos mais nichados às massas, gerando uma troca mútua e não mais uma mensagem unidirecional.

Na chamada economia dos nichos, o valor agregado por estes agentes se traduz na estatística verdadeiramente impressionante de que, em 2016, 92% dos usuários consumidores confiavam mais em influenciadores do que em anúncios e em celebridades tradicionais. No entanto, atualmente, com a disseminação da quantidade de amadores, é provável que esse percentual tenha diminuído. É preciso retirar o glamour do que é mal e tratá-lo como tal: um problema que precisa de real atenção. E é esse o objetivo que, aparentemente, pretende-se alcançar com uma recentíssima lei interpartidária aprovada no Congresso Francês.

A Lei 2023-451, cuja aprovação se deu neste mês de junho, visa essencialmente regulamentar a atividade do influenciador digital, sujeitando-os a regime jurídico semelhante àquele que disciplina os profissionais da mídia tradicional, bem como combater eventuais excessos perpetrados por estes agentes nos ecossistemas das redes sociais.

Chama a atenção, de saída, a pretensão da Lei em conceituar quem seria, afinal, o influenciador digital. E, aqui, o legislador pareceu contentar-se com a generalidade e abranger toda e qualquer pessoa física ou jurídica que, a título oneroso, vale-se de sua reputação virtual para promover, direta ou indiretamente, bens, serviços ou qualquer outra causa. Neste ponto, é importante salientar que a Lei não se limita regular a atividade de influenciadores franceses domiciliados no país. Não por outro motivo, referidos agentes overseas deverão nomear uma pessoa jurídica que ficará a cargo de sua representação no país, viabilizando sua sujeição ao sistema legal francês. Nada obstante, também deverão contratar um seguro de responsabilidade civil junto à seguradora estabelecida na União Europeia, a fim de cobrir eventuais danos decorrentes de sua atividade.

Abram-se parênteses para dizer que a responsabilidade civil alcançará os influenciadores mesmo na hipótese de mero anúncio de produtos, pois deverão assegurar que estes estão disponíveis, são lícitos e, principalmente, não são falsificados. Caso não atendam a esses requisitos, os influenciadores anunciantes responderão solidariamente perante o adquirente.

Tudo perfeito, exceto por uma coisa: considerando que referida lei alcança somente influenciadores franceses (domiciliados, ou não, no país), permanecerá totalmente intocada a atuação dos demais influenciadores sobre a população francesa, vez que aqueles residem no exterior – o que, em mundo globalizado, é logo ali na esquina –não se submetem à regulamentação.

Passando especificamente à análise dos temas, a saúde, em todas as suas expressões – física, mental e social -, parece ter ganho uma posição de destaque nas motivações da lei. Vê-se, primeiramente, a proibição da divulgação dos produtos à base, total ou parcial, de nicotina para consumo – o que é louvável, haja vista a epidemia avassaladora de cigarros eletrônicos entre, especialmente, jovens. Ao lado destas disposições, estão mais duas importantes vedações. Proibiu-se a promoção de procedimentos estéticos, como as cirurgias plásticas, bem como o estímulo a usuários interromperem tratamentos médicos ou os substituírem por outros.

Mas a preocupação quanto aos danos à autoimagem se estendeu para além do corpo físico, alcançando as mídias publicadas e as ferramentas de edição, cada vez mais fascinantes e assustadoras. Sobre isso, se é certo dizer que os famigerados filtros e os demais retoques artificiais são mais difíceis de cair do que Stalingrado, ao menos agora deverão ser devidamente sinalizados, de forma que as publicações indiquem expressamente a edição do conteúdo. A mesma lógica se aplica às mídias produzidas – no todo ou em parte – por inteligências artificiais que se tornam cada vez mais imperceptíveis.

Também se torna compulsória a sinalização em publicações alavancadas por influenciadores, que visem a promoção de bens, serviços e qualquer outra causa. Neste caso, deverá ser indicado “publicidade” ou “colaboração comercial” de forma expressa, identificável e ao longo de toda a promoção (sendo esta última melhor aplicável às mídias em vídeo). Aqui, não há relevante novidade para brasileiros, que, já há algum tempo, convivem com signos similares (o conhecido “#publi”), em razão do Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais lançado pelo Conar.

Também acode o imaginário brasileiro outra previsão constante da lei: ressalvadas as promoções a zoológicos, passa a ser estritamente proibida a veiculação de publicações nas quais o influenciador se apresente com animais cuja guarda é proibida na França.

Por sinal, fosse o caso do Brasil tomar emprestada a vedação, sequer existiria a polêmica envolvendo o influenciador Agenor Tupinambá e a capivara Filó. E, neste paralelo, constata-se um grande acerto da Lei 2023-451, vez que, independentemente da comovente graciosidade de uma capivara, trata-se de um animal silvestre, cuja abdução de seu habitat natural pode significar uma verdadeira sentença de morte ao bicho, que, ainda, é vetor de doenças como a febre maculosa – mesmíssima doença que, por sinal, vem assolando o interior de São Paulo no último mês.

Com fim evidente de coibir fraudes, proibiu-se a promoção de contratos financeiros, bem como lançou-se fortes restrições sobre anúncios de criptoativos. Denota-se o combate a golpes, também, na alteração da dinâmica envolvendo jogos de azar que, por sua vez, não poderão ser promovidos em plataformas que não disponham de filtro para maiores de dezoito anos.

#Publi, influenciadores com animais silvestres e golpes envolvendo casas de aposta. Sim, os principais temas tratados na lei curiosamente soam como um pout-pourri das últimas notícias no Brasil. De mais a mais, o agenciamento de influenciadores digitais ganhou uma forma contratual prescrita. Sob pena de nulidade, deverá o instrumento conter a identificação das partes, seu domicílio, seus endereços postais e eletrônicos, a natureza das atividades contratadas e dados atinentes à remuneração do influenciador, como o respectivo valor em espécie.

A não conformidade da atuação do influenciador digital com o novo regramento pode lhe ensejar uma série de penalidades, sendo estas, prisão (de até dois anos), multa (de até trezentos mil euros) e, em alguns casos, a inabilitação para referida profissão.

E engana-se quem pensa que a lei não abarcou, em suas disposições, as redes sociais em si. A fim de conferir maior efetividade às medidas de proteção ao consumidor e aos próprios influenciadores, determinou-se a disponibilização, nas plataformas, de meios de recebimento ágil de denúncias formuladas por qualquer agente ou individuo, que vise noticiar conteúdos ilegais ou fraudulentos, nos termos da Lei 2023-451, mas não se limitando a ela.

A mera existência desta lei pode soar como um ataque direto à carreira de influenciador. Mas isso não é verdade. Ao impor limites a eventuais excessos cometidos por parte destes agentes, a lei visa, em verdade, proteger (bons) influenciadores, trazendo-lhes um norte para boas práticas, a fim de resgatar a confiabilidade dos usuários neste segmento. A tendência é que, a exemplo dos influenciadores, a iniciativa da regulação do tema se estenda e alcance cada vez mais países, sendo certo que o Direito não pode fechar os olhos para algo que já é realidade e impacta mundialmente os padrões de consumo há mais de uma década.

BEATRIZ HAIKAL – Sócia da área de Proteção de Dados e Regulatório de Novas Tecnologias no BBL | Becker Bruzzi Lameirão Advogados. Graduada em Direito pela PUC-Rio, pós-graduada em Estado e Sociedade pela Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (AMPERJ), Certified Information Privacy Manager (CIPM) pela International Association of Privacy Professionals (IAPP), IAPP Member, OneTrust Certified Privacy Professional, professora convidada de instituições como Ibmec, Curso Fórum e Faculdade CERS

DANIEL BECKER – Sócio do BBL Advogados, diretor de novas tecnologias no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), organizador dos livros “O Advogado do Amanhã: Estudos em Homenagem ao professor Richard Susskind”, “O fim dos advogados? Estudos em Homenagem ao professor Richard Susskind – vol. II”, “Regulação 4.0, vols. I e II”, “Litigation 4.0” e “Comentários à Lei Geral de Proteção de Dados”, todos publicados pela Revista dos Tribunais

FREDERICO BECKER – Associado da área de Contencioso e Arbitragem no BBL | Becker Bruzzi Lameirão Advogados. Graduado em Direito pela Unirio, pós-graduando em Direito dos Contratos pela PUC-Rio

Fonte: JOTA

BBL ADVOGADOS , Beatriz Haikal , Daniel Becker , Frederico Becker , JOTA