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Regulação das redes apoiada por Lula e STF pode prejudicar investimentos e inovação

Por Renan Ramalho
15/05/2023 12:58

A pressão por parte do governo, Congresso e Supremo Tribunal Federal por uma regulamentação mais rigorosa das redes sociais acentuou a preocupação de executivos e representantes do setor com os riscos econômicos para suas atividades no país. E decisões recentes, tanto do Executivo quanto do Judiciário, impondo o que pode ou não ser publicado pelas empresas em relação ao próprio tema, já demonstraram para essas empresas a dificuldade que terão para investir e inovar no país, caso seja aprovado o projeto de lei das fake news (PL 2.630/2020).

As decisões mais drásticas, nesse sentido, proferidas nas duas últimas semanas, vieram da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em síntese, elas ordenaram que Google, Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), Spotify e Telegram retirassem de suas plataformas anúncios e mensagens críticos ao PL das Fake News e publicassem opiniões favoráveis à proposta, cujo propósito é ampliar a fiscalização do governo sobre a moderação de conteúdo realizada pelas empresas.

Isso seria feito por meio da revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet, segundo o qual as plataformas não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo postado por seus usuários. Elas só podem ser condenadas a pagar indenização à vítima de uma mensagem supostamente ofensiva caso o Judiciário julgue que ela de fato é ilícita e descumpra uma ordem de remoção.

O PL das fake news, também chamado pela oposição de "PL da Censura", impõe às redes um “dever de cuidado”, no qual as próprias empresas seriam cobradas a vigiar mais de perto tudo que é postado para, então, informar a um órgão de fiscalização, periodicamente, como coibiram as manifestações criminosas em suas plataformas, bem como o volume de postagens encontradas.

A análise do conteúdo caberia a elas, não ao Judiciário, mas caso o órgão fiscalizador entenda que não houve o devido cuidado, poderia puni-las com multa e até suspensão de suas atividades. O temor é que esse órgão, provavelmente vinculado ao governo, passe a pressionar as redes para suprimir conteúdo não necessariamente ilícito ou criminoso, mas incômodo ao governante.

No STF, há disposição da maioria dos ministros para exigir que as plataformas também removam, espontaneamente, conteúdos indesejados, especialmente aqueles que possam caracterizar incentivo a protestos violentos contra as instituições, como o ocorrido em 8 de janeiro, quando houve a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.

As empresas de tecnologia dizem que, para mitigar o risco de serem punidas – principalmente pelo fato de serem obrigadas a analisar uma quantidade gigantesca de conteúdo, postada a todo momento, e muitas vezes subjetivo e passível de múltiplas interpretações –, passem a eliminar uma grande quantidade de publicações, mesmo que não sejam ilícitas. Isso restringiria, de forma excessiva, a livre troca de ideias e informações na internet.

Estudo aponta perdas bilionárias para as redes sociais

 

Mas não só isso. No aspecto econômico, o gerenciamento mais rigoroso do conteúdo postado por usuários elevaria o custo com tecnologia e pessoal para analisar todo esse material de forma célere. Além disso, as plataformas poderiam perder usuários e anunciantes, seja pelo desinteresse numa rede mais limitada em termos de conteúdo, seja pelo risco de também serem banidos ou terem suas postagens, ainda que lícitas, constantemente suprimidas.

Um estudo publicado no ano passado pelo Insper estimou que as principais empresas do setor perderiam R$ 23 bilhões em valor de mercado e uma receita de R$ 47 milhões por ano. Os usuários também seriam atingidos, com perda de até R$ 4 bilhões. O cálculo levou em conta dados de faturamento no Brasil do Facebook, Instagram e YouTube.

Para chegar às cifras, os pesquisadores compararam o cenário de antes e depois de 2014, quando foi aprovado Marco Civil da Internet. Até então, bastava que a rede social recebesse uma notificação extrajudicial de qualquer pessoa, comunicando que determinada postagem seria ofensiva ou ilícita, para que a removesse, sob risco de que fosse condenada a indenizar a vítima junto com o autor da manifestação. Em muitos casos, a plataforma fazia isso mesmo que o conteúdo fosse lícito, por excesso de precaução, para não correr o risco de uma condenação. É isso que voltaria a ocorrer com a revisão do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

“Uma rede social que tem mil posts por minuto tem menos valor de mercado e menos utilidade para os usuários do que uma rede que tem 1 milhão de posts por minuto. Então, o volume de manifestação naquela rede importa. Mas se a rede social está ameaçada de arcar com um mal pior e mais caro do que a perda dos posts, que são as indenizações, vai ser obrigada a sacrificar o conteúdo. Antes do Marco Civil da Internet, a empresa não queria sair deletando tudo, mas seria pior se ela não fizesse e abrisse as portas para um passivo judicial cujo tamanho sequer conseguia dimensionar. Era o menor de dois males”, explica Ivar Hartmann, professor associado do Insper e um dos autores do estudo.

Para ele, o mais importante, contudo, não é o quanto a empresa da rede social deixou de lucrar, mas o quanto o serviço pioraria para o usuário. “Não sei se as pessoas vão deixar de usar ou usar menos a rede social, o fato é que vão estar usufruindo de um bem de qualidade muito inferior. E não é qualquer qualidade, um luxo, a gente está falando de liberdade de expressão muito inferior, que não é um luxo”, diz Hartmann.

Revisão pode prejudicar novas iniciativas na economia digital

O PL das Fake News diz que a plataforma poderá ser punida administrativamente se for notificada de conteúdos supostamente ilícitos e não exercer o dever de cuidado para removê-los. Não está claro, porém, como o STF vai impor a punição nesses casos, se a regra do Marco Civil da Internet for revista.

O problema, no entanto, não se restringe às Big Techs, que têm recursos, estrutura e pessoal para arcar com os custos. O advogado e professor da FGV Law Marcel Leonardi, que há mais de 20 anos tem como clientes empresas e investidores do setor de tecnologia, diz que a revisão do Marco Civil da Internet também pode impedir o surgimento e crescimento de novas iniciativas na economia digital.

“Quando o governo mira na regulação, é muito comum pensar só em grandes plataformas, porque é o que a gente está acostumado a usar. Hoje, a gente pode conhecer elas como grandes, mas um dia não foram. Havia um arcabouço normativo de 10 ou 20 anos atrás que foram úteis para que elas florescessem no Vale do Silício”, diz ele.

Leonardi cita um estudo da Associação Brasileira de Startups, segundo o qual, de 2015 até 2019, o número dessas empresas no país mais que triplicou, passando de 4.151 para 12.727, um salto de 207%.

Um dos fatores que contribuíram para essa expansão foi a regra do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que deu mais segurança jurídica para as novas empresas do ramo digital ao determinar a necessidade de ordem judicial para a responsabilização das plataformas e provedores de internet.

Isso foi importante, por exemplo, para plataformas que hospedam cursos online, como a Hotmart, por meio da qual qualquer pessoa pode oferecer treinamentos numa área que domina e vender esse conteúdo. A mesma regra possibilitou a existência de sites que reúnem críticas de consumidores a determinadas empresas, como o Reclame Aqui; ou críticas de clientes a comidas e restaurantes em aplicativos de delivery, como o Ifood, por exemplo.

O atual texto do PL das Fake News diz que as novas regras de moderação só valeriam para plataformas com mais de 10 milhões de usuários e não se aplicariam a provedores de comércio eletrônico. Mas há o temor de que isso venha a ser alterado na própria proposta ou depois. Restrições excessivas, diz Leonardi, tendem a levar usuários para serviços menos regulados no exterior. O mesmo tende a ocorrer com investidores, que podem preferir aportar recursos em startups de outros países.

Censura prévia acarreta custos políticos, diz especialista

O advogado Daniel Becker, que também atende empresas do ramo, diz que responsabilizar as plataformas por conteúdos de terceiros traz dois custos, um político e outro econômico.

“Sendo obrigadas a fazer censura prévia, as empresas vão controlar o conteúdo de forma muito mais rígida e isso vai fazer com que o grau de liberdade na sociedade diminua, o que vai ter um custo político e democrático muito grande para o país. E há o custo econômico, porque as plataformas proliferaram muito com o Marco Civil da Internet, que permitiu que as empresas intermediassem relações entre agentes, fossem econômicos, que é o caso de empresas de marketplace, ou sociais, que é o caso das redes sociais”, diz.

Alexander Coelho, advogado especializado em Direito Digital e Proteção de Dados, tem opinião semelhante. “As empresas que atuam no mercado digital precisam de um ambiente favorável para investir em novas tecnologias e desenvolver seus negócios. Se a regulamentação for excessivamente rígida ou mal elaborada, pode criar obstáculos desnecessários ao desenvolvimento das empresas, aumentando seus custos e dificultando a expansão de seus serviços", afirma.

Ele também pontua que a incerteza regulatória pode levar a uma redução nos investimentos em inovação, uma vez que as empresas podem optar por adotar uma "postura mais conservadora" nos investimentos e aguardar uma definição mais clara das regras antes de aportar em novas tecnologias.

André Marsiglia, advogado especializado em liberdade de expressão, entende que há impacto econômico tanto na ausência de legislação quanto no excesso de regulamentação.

“Uma regulação, como essa do PL das Fake News, feita com dubiedades, ambiguidades, e um Judiciário censório, cria uma insegurança jurídica e um ambiente hostil que impacta o mercado. Os aplicativos e plataformas ficam receosos de fincarem seus pés no país, com escritórios de forma robusta, de expandirem seus negócios, de fazerem parcerias duradouras, de investirem no mercado nacional”, conclui.

Gazeta do Povo

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