Investimentos globais em eficiência energética alcançaram cerca de US$ 560 bilhões no ano passado
MICHELE RIOS
O Brasil, assim como as demais economias em desenvolvimento do mundo, concentram os maiores potenciais de eficiência energética em termos de consumo per capita e consumo por PIB. Apesar disso, já existe um longo caminho pavimentado em termos de políticas públicas e ações estruturadas para o fomento e incentivo à promoção de equipamentos eficientes, mecanismos de financiamento e diretrizes para investimento em âmbito nacional pelas distribuidoras de energia elétrica com o auxílio das empresas especializadas em conservação de energia. E com isso, o contínuo processo de melhoria dos mecanismos vigentes no país tem permitido desenvolver um ambiente de aproveitamento dos ganhos de eficiência energética em diversos segmentos e classes de consumidores.
A busca pela eficiência perpassa por diversos atores e contextos. Desde o uso de equipamentos mais eficientes nas nossas casas – a exemplo da simples substituição de uma lâmpada incandescente por uma de LED – a, obviamente, eficiência em termos de melhora na transmissão e produção de energia por todo o sistema brasileiro. E, aqui, para o bem ou para o mal, entra a expectativa de o governo saber lidar com os desafios do setor, como saber quando efetivamente regular determinada matéria e, sobretudo, acerca do estabelecimento de incentivos para a promoção de maior eficiência.
E apesar de o Brasil possuir um significativo potencial em termos de eficiência energética, a sua promoção não depende apenas de um determinado agente, mas de toda uma cadeia produtiva sob a qual pairam desafios que vão além de sua própria (boa) vontade, com destaque para o desenvolvimento da economia. E diversas medidas foram adotadas para promover a eficiência energética, entre elas a criação do Programa de Eficiência Energética (Procel), que subsidia a aquisição de equipamentos de eficiência energética para a indústria e a criação da Política Nacional de Eficiência Energética (PNE), que estabelece metas e incentivos para a adoção de medidas de eficiência energética.
Segundo o coordenador de eficiência energética da Aneel, Carlos Eduardo Firmeza, hoje as ações realizadas para a melhoria da eficiência energética estão pautadas principalmente em metas de investimento mediante o cumprimento de diretrizes governamentais e de instituições relacionadas com a implantação de políticas públicas. Porém, o amadurecimento do consumidor, dos agentes setoriais e do mercado em relação à importância dos benefícios múltiplos refletidos na atratividade das ações de eficiência energética devem guiar as iniciativas voltadas aos resultados tangíveis e intangíveis, com metas claras e objetivas de performance.
“Para isso, é preciso avançar no amadurecimento das normas e metodologias de mensuração dos resultados nas principais aplicações e usos finais envolvidos, considerando também o espectro da mudança comportamental para a redução do consumo de forma consciente e sustentável. Além disso, é preciso o monitoramento periódico e a atualização dos padrões e requisitos mínimos de eficiência nas principais categorias de equipamentos nacionais observando a tendência internacional. Outro ponto importante consiste na estruturação de um banco de dados com consumos específicos e indicadores por segmentos industriais, comerciais, residências, etc que disponibilize referências para avaliação de políticas públicas voltadas ao tema e realização de futuros projetos de eficiência energética considerando benchmarks de consumo”, explicou.
Atualmente existem inúmeras oportunidades associadas aos benefícios múltiplos da eficiência energética no Brasil, sendo o maior deles a redução de custos para o consumidor final. “Para o setor produtivo, isso está diretamente ligado ao ganho de competitividade ao reduzir os custos de produção. Além disso é considerada a oportunidade para o país como forma de geração de empregos em setores diretamente ligados à prestação de serviços ligados ao mercado de eficiência energética e indiretamente ao proporcionar ganhos econômicos a setores energeticamente intensivas. Por fim, podem ser mencionadas as oportunidades ligadas à sustentabilidade e redução de emissões associadas à economia de energia, pauta cada vez mais importante no contexto da transição energética”, ressaltou Firmeza.
Dados da Aneel mostram que 51% dos investimentos do Programa de Eficiência Energética são destinados a projetos voltados para população de baixa renda, que representam 25% dos projetos do PEE. E 28% dos projetos do PEE são destinados à unidades do Poder Público, que representam 12% dos investimentos realizados.
Para o diretor Jurídico e Institucional da Abradee, Wagner Ferreira, o programa de eficiência energética é algo extraordinário para o Brasil e é uma forma de fazer com que parte da receita do setor elétrico tenha o destino de buscar contribuir para que haja uma maior eficiência e racionalidade no uso da energia elétrica. “São feitas diversas formas de atendimento da população através desse programa seja substituindo geladeiras, trocando e substituindo lâmpadas menos eficientes por lâmpadas mais eficientes, parcerias com municípios para substituir lâmpadas e outros tantos projetos que fazem com que a sociedade possa de fato receber de forma imediata algo que vai transformar a sua vida e as suas posições em relação ao estágio que elas estão. O programa de eficiência energética é o bem-estar na veia e isso é muito importante para o Brasil e precisa ser continuado e é uma pauta que Abradee vem defendendo por entender que é preciso investir muito na racionalidade e no consumo consciente da energia elétrica”, afirmou.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, nos últimos 22 anos de vigência da lei 9.991/2000, foi gerada uma economia de energia de, aproximadamente, 9.000 GWh/ano, o que equivale a energia gasta mensalmente por 6,8 milhões de famílias de baixa renda com consumo médio de 110 kWh/mês durante um ano. Ainda segundo o MME (estudo “potencial de empregos gerados na área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 2030”), são gerados anualmente 413 mil empregos totais na economia como consequência da produção de bens e serviços de Eficiência Energética (tendo como base o ano de 2016). Destes, 31% são diretos (128 mil), 57% indiretos (237 mil) e 12% induzidos (48 mil). A projeção para 2030 pode alcançar cerca de 1,2 milhão de empregos brutos totais na economia brasileira, tendo em vista os esforços para alcançar as metas do acordo de Paris.
Ameaças e barreiras
Já a superintendente adjunta de pesquisa e desenvolvimento e eficiência energética da Aneel, Carmen Silvia Sanches, disse à Agência CanalEnergia que as ameaças ou barreiras que dificultam a disseminação da eficiência energética podem estar relacionadas ao fator cultural, pela falta de conhecimento ou conscientização pelo consumidor sobre sua importância e benefícios resultantes da prática sustentável e eficiente, como também a falta de priorização da eficiência energética frente a outras questões ligadas ao setor produtivo por não fazer parte de sua expertise e atuação no negócio.
“Fontes de recursos ou financiamento público e privado atrativo e suficientes para explorar boa parte dos potenciais existentes também são uma ameaça para a eficiência energética no Brasil. Do ponto de vista político e institucional, é fundamental que as leis e regulamentos sejam respeitadas considerando as instituições responsáveis pela formulação e implantação das políticas públicas e os objetivos finais dos programas existentes como forma de mitigar ameaças aos recursos destinados à eficiência. Mudanças desses instrumentos pelo poder legislativo sem que haja uma profunda análise e discussão entre os principais envolvidos e sem uma fundamentação plenamente justificada podem gerar um possível desvirtuamento dos recursos para satisfazer interesses imediatos e alheios à eficiência energética, podendo comprometer o funcionamento de uma cadeia estruturada ao longo de décadas. Tais mudanças criam rupturas e incertezas, afetando o ambiente de negócios do mercado de eficiência energética, ainda em desenvolvimento no país”, disse.
Muitos acreditam que as oportunidades estão relacionadas ao aproveitamento do potencial sobretudo aquele mais competitivo de baixo custo. Segundo o diretor da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Giovani Vitória Machado, quando aumentamos a eficiência temos um impacto positivo sobre a despesa e com isso reduzimos os gastos com a conta de energia. “De uma forma geral se a gente estiver falando só de energia elétrica reduzimos a necessidade de recurso energético em benefício não só da nossa conta como consumidores, mas também com o meio ambiente”, ressaltou. O executivo também alertou sobre buscar abordagens de eficiência que não respeitam a condição concreta dos consumidores. “É preciso ter medidas e políticas de eficiência energética que reconheçam o contexto concreto das famílias”, citou.
Eficiência energética crescendo no Brasil
Para se ter uma ideia do tamanho do desafio em termos de eficiência energética, segundo o International Energy Efficiency Scorecard de 2022, produzido pelo ACEEE (American Council for an Energy-Efficient Economy), que classifica os 25 maiores usuários de energia do mundo em 36 métricas de eficiência, o Brasil ocupou a 19ª posição, estando atrás de países como Indonésia, Índia e México. “As razões para tanto estariam distribuídas em quatro grandes critérios: esforço nacional; situação da indústria; situação do transporte; situação da utilização e construção de equipamentos em edifícios”, disse a advogada com ênfase em resolução de disputas e energia do BBL Advogados, Bianca Bez.
De acordo com ela, o esforço nacional seria relativo ao quanto o governo gasta e promove incentivos para aumentar a eficiência energética. Segundo o referido relatório, o Brasil estaria em falta em termos de incentivos e criação de créditos fiscais, apesar de enfatizar a produção de energia renovável. No que tange à indústria e aos equipamentos, o relatório aponta a necessidade de criar e de melhorar padrões utilizados na construção de equipamentos e aparelhos voltados à geração de energia.
“Tudo o que precisa ser feito em termos de eficiência energética, portanto, perpassa por esse conjunto de setores e de atores, mas, especialmente, no estabelecimento e na melhoria de uma política energética brasileira, incluindo-se a tributária, ambiental e regulatória. Quanto mais segurança jurídica, fomento da infraestrutura e planejamento de longo prazo, maiores as chances de aumento na competitividade do mercado e, por consequência, da eficiência energética. Há muito o que ser feito”, ressaltou.
Já para o diretor da EPE, Giovani Vitória Machado, a eficiência energética tem um potencial importante no Brasil e tem sido aproveitada no seu conceito livre e ele é amplo. “Precisamos entender qual é a fronteira do sistema que a gente está olhando para calcular o potencial. Quando a gente olha a economia percebemos no seu indicador mais abrangente um percentual bastante significativo de ganho de eficiência energética nos últimos 10 anos, algo em torno de uns 14% ou 15% de eficiência. Obviamente, o Brasil sendo um país ainda com uma necessidade de acesso à energia muito grande e muitas vezes o ganho de eficiência energética não é percebido”, explicou.
E de olho nesse mercado, as ações de eficiência energética ganharam mais destaques em 2022, à medida que governos e consumidores se voltaram cada vez mais para medidas sustentáveis. Um relatório da Agência Internacional de Energia (IEA) mostrou que os investimentos globais em eficiência energética alcançaram cerca de US$ 560 bilhões no ano passado, um crescimento de 16% em relação a 2021.
A diretora de sustentabilidade da Enel Brasil, Márcia Massotti, declarou à Agência CanalEnergia que a transição energética é um processo sem volta e que precisa ser acelerado para garantir a migração de um modelo econômico ainda dependente de recursos poluentes (combustíveis fósseis), para um cenário livre de emissões e capaz de frear o aquecimento global. Empresas e países (incluindo o Brasil) já se comprometeram publicamente em impulsionar as mudanças necessárias para limitar o aquecimento global.
“O compromisso e a estratégia da Enel incorporam a visão de facilitadora desta transição energética. Temos um compromisso de impulsionar a descarbonização (ampliando a capacidade de geração baseada 100% em fontes renováveis) e a eletrificação, que é o uso da energia proveniente de fontes limpas nas atividades de pessoas, empresas, governos e cidades. A eletrificação inclui, por exemplo, adotar o uso de energia elétrica em atividades que ainda são movidas hoje por outros tipos de energia, como a mobilidade. E o programa de eficiência energética da companhia já existe desde 1998, e já investiu aproximadamente R$ 1,6 bilhão em projetos com foco no consumo consciente de energia entre os clientes, melhoria das instalações elétricas e ações educacionais, nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará”, disse.
Segundo a executiva, os projetos envolvem, por exemplo, a modernização da iluminação com a substituição de lâmpadas comuns por modelos em LED, trocas de equipamentos de refrigeração (geladeiras) por modelos econômicos, instalação de usinas e placas solares fotovoltaicas, entre outras melhorias. Vale ressaltar também que as obras de eficiência energética da Enel são regulamentadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica, a Aneel. “Apenas em 2022, a Enel Brasil aportou 96 milhões de reais em projetos desse tipo em suas três áreas de concessão de distribuição, nos estados do Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. As iniciativas beneficiaram 894 mil pessoas no ano passado e proporcionaram uma economia de energia equivalente ao consumo mensal de 42 mil residências em um ano. Parte dos esforços da Enel em Eficiência Energética ocorre via Chamada Pública de Projetos, uma forma de democratizar a participação de toda a sociedade, mobilizar e beneficiar instituições públicas, privadas ou filantrópicas”, ressaltou.
Política energética brasileira
A política energética brasileira vem mostrando a necessidade de diversificação da matriz energética, ampliados os investimentos em fontes de energia renováveis, com isso, é possível verificar um grande aumento nos setores de geração por fontes renováveis. “Entretanto, tem-se que tomar cuidado com a criação de impostos e limitação física do escoamento da energia produzida pelo setor de transmissão que são limitadores para termos eficiência energética no Brasil”, afirmou a advogada da área de energia do Leite Tosto Barros Advogados, Paula Padilha Cabral Falbo.
Já para Isabelly Douglas Calil Assad, que faz parte do mesmo escritório de advogados, o projeto de eficiência energética busca reduzir o consumo de energia elétrica, o uso das energias renováveis passa a ser um caminho mais sustentável para o mercado energético brasileiro. “Assim, dentre as ações que vem sendo tomadas, cabe destacar o Programa de Eficiência Energética – PEE, criado pela ANEEL, o qual busca promover o desenvolvimento de novas tecnologias e a criação de hábitos e práticas racionais de uso da energia elétrica em todos os setores da economia”, ressaltou.
E Isabella Ruiz Agarbella, também do Leite Tosto Barros Advogados, afirmou que os projetos de eficiência energética contribuem para um futuro melhor do planeta, vez que possuem como objeto principal a sustentabilidade, não há como não apoiar que tais planejamentos sejam cada vez mais implantados e postos em prática. Otimizar o consumo de energia elétrica passou a não ser mais um diferencial e sim uma necessidade que busca, cada vez mais, o aumento da sustentabilidade no planeta.
A política nacional atua em áreas de fundamental importância para a evolução da eficiência energética, com destaque para o desenvolvimento leis de eficiência mínima para equipamentos, certificação com o selo Procel e realização de projetos seja diretamente pelo Procel seja pelo PEE das distribuidoras de energia. Para o engenheiro de eficiência energética da Cemig, Thiago Douglas Batista, a política é efetiva mas com diversos pontos a serem evoluídos, principalmente aqueles que incentivem e favoreçam um maior dinamismo do mercado de eficiência energética para que as ações ocorram na iniciava pública e privada independente de um programa de financiamento público como o PEE.
“As leis e regulamentos que estabelecem índices mínimos de eficiência energética continuam em evolução, restringindo cada vez mais a entrada de equipamentos ineficientes no mercado brasileiro, bem como as iniciativas de certificação de edificações também levam a modernização e aumento da eficiência no uso da energia. Contudo, infelizmente, tivemos no final de 2022 uma drástica redução de recursos no principal programa de financiamento de projetos no Brasil, o PEE ANEEL que, com certeza, impactará negativamente nos resultados e no mercado”, explicou.
Expectativas para 2023
Ao que tudo indica, apesar da redução na disponibilidade de recursos pelo PEE ANEEL, as demandas por melhores resultados financeiros das empresas, redução de custos operacionais em instituições públicas e filantrópicas e também o apelo pela sustentabilidade nos negócios tendem a manter o assunto aquecido e um mercado ainda promissor em 2023.
Para o diretor financeiro da Abesco (Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia), Alexandre Sedlacek Moana, ainda é preciso avançar muito no quesito eficiência energética. “O Brasil é muito bom na criação de software, mecanismos organizacionais que permitem a eficiência, isso falando em produção nacional. Alguns outros itens nós não conseguimos produzir, como as lâmpadas de LED e consumimos muitas coisas de fora. Mas o que temos de bom aqui é que conseguimos gerar inteligência e isso é muito importante na questão da eficiência energética. Um panorama de oportunidades, se nós temos uma fonte de recursos que ela retorna, uma certeza que temos é que a eficiência energética retorna. É sempre uma fórmula de sucesso. E ela beneficia toda a cadeia como geração, transmissão e a comercialização da energia em si. A eficiência energética é a fonte mais limpa do mundo e muitas vezes a mais barata”, finalizou.
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