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ARTIGOS

ECA Digital: o dilema entre a boa intenção e a ineficiência normativa

Beatriz Haikal
Publicado no portal do Milton Jung, da CBN.

O recente avanço, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei nº 2.628/22, apelidado “ECA Digital”, é um marco na discussão sobre a proteção de menores na internet. Não há como negar a nobreza do objetivo: criar um ambiente online seguro para crianças e adolescentes é um imperativo de nossa era digital. No entanto, a boa intenção, sozinha, não é suficiente para fazer uma boa lei. Uma análise técnica do texto revela graves lacunas que, se sancionadas da forma como estão, podem criar mais problemas do que soluções.

O principal vício do projeto reside no excesso de abstrações. A forma como o PL foi construída revela um padrão preocupante: soluções simplistas e pouca atenção às realidades técnicas, operacionais e econômicas. Um exemplo flagrante é a introdução do conceito de “acesso provável” para determinar as obrigações das plataformas. Amplo e vago, este termo pode abarcar praticamente qualquer produto ou serviço digital que, ainda que não destinado a menores, possa eventualmente atrair sua atenção. Isso não cria proteção; cria um risco regulatório considerável, que pode resultar em insegurança jurídica, custos elevados de compliance e, em alguns casos, o afastamento de players internacionais do mercado brasileiro.

Outro ponto crítico é a proibição genérica de técnicas de perfilamento e análise de dados. Ao eliminar a possibilidade de usos positivos, o PL peca por excesso de zelo e compromete a inovação. No afã de proibir riscos potenciais, o legislador pode acabar inviabilizando mecanismos concretos de proteção que dependem justamente da tecnologia para identificar predadores, comportamentos de risco como cyberbullying e até mesmo casos de automutilação.

As exigências para redes sociais, como a vinculação de contas a responsáveis e a verificação de idade por “meios confiáveis”, carecem de parâmetros técnicos claros e de uma análise de proporcionalidade. Sem padrões mínimos definidos em regulamento, o risco é criar um mosaico de soluções improvisadas e potencialmente invasivas. O prazo de um ano para adaptação desconsidera a complexidade operacional de grandes plataformas e o impacto econômico devastador sobre pequenas e médias empresas.

O projeto atual, infelizmente, cai em uma contradição comum: a vontade de proteger grupos vulneráveis se converte em um texto normativo excessivamente rígido, pouco técnico e, no limite, contraproducente. O Congresso, mais uma vez, parece repetir o ciclo de normas bem-intencionadas, mas de difícil aplicação prática. Uma lei não pode ser refém de slogans legislativos; precisa enfrentar a complexidade do tema com rigor técnico e visão de futuro. Antes de virar lei, o ECA Digital precisa de amadurecimento, sob o risco de falhar em sua missão mais essencial que é proteger de verdade crianças e adolescentes.

ECA Digital , Privacidade , Proteção de Dados