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ARTIGOS

Prevenção ao financiamento do terrorismo para instituições reguladas pelo Banco Central

Terrorismo é comumente negligenciado pelos brasileiros, que têm pouco contato com crimes de tal natureza

Embora o terrorismo seja um dos temas mais caros às jurisdições estrangeiras — principalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001 —, é algo comumente negligenciado pelos brasileiros, que têm pouco contato com crimes de tal natureza. Isso é visto como algo distante de nossa realidade.

No entanto, o natural distanciamento foi reduzido após os eventos de 8 de janeiro de 2023, ocorridos em Brasília (DF), que têm recebido rótulos, nacional e internacional, de antidemocráticos e terroristas. Diante da gravidade dos atos praticados, foram expedidos, ao menos até 11 de janeiro de 2023, aproximadamente 1.261 autos de prisão e apreensão.

Dentre os pedidos de prisão realizados até aqui, chama atenção a decisão do ministro Alexandre de Morais, nos autos do Inquérito 4.879/DF, posteriormente ratificada pelo pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual reconheceu “inequivocamente demonstrados os indícios de materialidade e autoria, ainda que por participação e omissão dolosa, dos crimes previstos nos artigos 2ª, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 e nos arts. 163 (dano), 288 (associação criminosa), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito) e 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal[i].

Confirmando-se, no âmbito do STF e dos demais órgãos do Poder Judiciário, que ocorreram atos terroristas no Brasil, é possível que se questione: quais cuidados as instituições reguladas pelo Banco Central do Brasil (BCB) devem adotar como melhores práticas à prevenção do financiamento do terrorismo?

Em primeiro lugar, é necessário observar que a Lei nº 13.260/2016 define “atos de terrorismo”[ii]. Nos termos da legislação, o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos de atos como: (i) sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais; (ii) realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito, e (iii) receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes de terrorismo.

Para as instituições reguladas pelo BCB, a identificação dos atos de terrorismo é de grande relevância para o estrito cumprimento de suas obrigações legais e infralegais. Desse modo, é necessário que as instituições, sejam elas financeiras ou de pagamento, estejam atentas aos pontos destacados abaixo.

Comunicação de operações suspeitas

Com o atual dinamismo das transações financeiras, principalmente nas cursadas por meio do arranjo de pagamentos Pix, entendemos que o pronto atendimento da obrigação de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) quanto a suspeitas de atos de terrorismo deva estar no radar das instituições reguladas pelo BCB.

Deve-se comunicar ao COAF, em até um dia útil e sem dar ciência aos envolvidos ou a terceiros, independentemente do valor, as operações realizadas, os serviços prestados, ou propostas para sua realização, que: (i) envolvam as pessoas que perpetrem ou intentem perpetrar atos terroristas ou deles participem ou facilitem o seu cometimento, ou as entidades pertencentes ou controladas, direta ou indiretamente, por essas pessoas, bem como por pessoas e entidades atuando em seu nome ou sob seu comando; (ii) possam constituir-se em sérios indícios dos atos de financiamento ao terrorismo, previstos na Convenção Internacional para Supressão do Financiamento do Terrorismo, internalizada no ordenamento jurídico nacional por meio do Decreto nº 5.640/2005; ou (iii) possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos na Lei nº 13.260/2016[iii].

Sem prejuízo de outros identificados pela instituição, são indícios de envolvimento com o financiamento do terrorismo[iv]:

1.     operações ou prestação de serviços, de qualquer valor, a pessoas ou entidades que reconhecidamente tenham cometido ou intentado cometer atos terroristas, ou deles participado ou facilitado o seu cometimento;

2.     existência de recursos pertencentes ou controlados, direta ou indiretamente, por pessoas ou entidades que reconhecidamente tenham cometido ou intentado cometer atos terroristas, ou deles participado ou facilitado o seu cometimento.

Intensificação de procedimentos de Know Your Client (KYC- Conheça Seu Cliente)

Os procedimentos de KYC, também necessários para fins de combate ao financiamento do terrorismo, devem integrar todas as etapas do relacionamento entre a instituição regulada pelo BCB e seu cliente. Apesar disso, é importante que se tenha atenção especial à abertura de novas contas, tanto de depósito quanto de pagamento, considerada a possibilidade de que pessoas apontadas, pelo Poder Judiciário, como praticantes diretas ou indiretas de atos terroristas desejem iniciar novas relações financeiras, com vistas, inclusive, à pulverização e consequente sofisticação da atividade criminosa[v].

Reclassificação de clientes, avaliação interna de risco e plano de ação

As instituições reguladas pelo BCB, ao identificarem possíveis ligações entre seus clientes e o financiamento do terrorismo, devem imediatamente realizar a reclassificação dos riscos envolvendo a ocorrência[vi].

Uma vez adotado tal expediente, será necessário também reavaliar o risco de financiamento do terrorismo quanto à sua probabilidade de ocorrência e à magnitude dos impactos financeiro, jurídico, reputacional e socioambiental para a instituição[vii].

Essas circunstâncias precisam estar destacadas no Plano de Ação da instituição para prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT), o qual deve ser (i) elaborado anualmente, com data-base de 31 de dezembro; e (ii) encaminhado, para ciência, até 31 de março do ano seguinte ao da data-base[viii]: a) ao comitê de auditoria, quando houver; e b) ao conselho de administração ou, se inexistente, à diretoria da instituição[ix].

Encerramento de contas

Caso a instituição regulada pelo BCB considere que a relação com o cliente suspeito ou executor de financiamento do terrorismo desborda de seu apetite por riscos[x], é possível que seja realizado o encerramento da conta de depósito ou de pagamento.

Nesse sentido, a manutenção de contas, por instituições financeiras e de pagamento, é de liberalidade dessas sociedades, uma vez que amparadas pelo direito constitucional à livre iniciativa[xi], que é reforçado pelo regramento infralegal, emitido em sede do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do BCB, que também não apresenta essa obrigatoriedade.

Quando do encerramento de contas, a instituição deve: (i) comunicar a intenção de rescindir o contrato, que pode ser motivada somente pelo desinteresse na continuidade da relação[xii]; (ii) cancelar folhas de cheque, no caso de contas de depósito; e (iii) prestar informações ao titular da conta sobre: (iii.1) o prazo para o encerramento da conta, observado o prazo 30 dias corridos, (iii.2) os procedimentos para pagamento de compromissos assumidos com a instituição ou decorrentes de disposições legais, como os oriundos de operações de crédito; (iii.3) os produtos e serviços eventualmente contratados pelo titular na instituição que permanecerão ativos ou que se encerrarão juntamente com a conta de depósitos ou de pagamento[xiii].

Como ponto de atenção no caso de encerramento de contas, é importante que a instituição regulada mantenha pelo prazo mínimo de 10 (dez) anos, à disposição do BCB, as informações que consubstanciaram a suspeita de financiamento do terrorismo[xiv].

Conclusão

O certo ineditismo da configuração de atos terroristas, na história democrática do Brasil, traz consigo a necessidade de que as instituições reguladas pelo BCB revejam seus processos e procedimentos concernentes à prevenção do financiamento do terrorismo — o que deve ser realizado com a maior brevidade possível, diante do dinamismo do mercado atual, com vistas à estrita conformidade regulatória.

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[i]Grifos inexistentes no documento original.

[ii]Nos termos do art. 2º, inciso IV, da Lei nº 13.260/2016.

[iii]Nos termos do art. 49 da Circular BACEN nº 3.978/2020 e do art. 4º da Resolução COAF nº 31/2019.

[iv]Nos termos do art. 1º, inciso IX, da Carta-Circular BACEN nº 4.001/2020.

[v]Nos termos (i) dos arts. 13 e ss. da Circular BACEN nº 3.978/2020; (ii) dos arts. 7º e ss. da Resolução COAF nº 36/2021; (iii) do art. 2º da Resolução CMN nº 4.753/2019; e (iv) dos arts. 4º e 5º da Resolução BCB nº 96/2021.

[vi]Nos termos do art. 20, inciso II, da Circular BACEN nº 3.978/2020.

[vii]Nos termos do art. 12, inciso III, da Circular BACEN nº 3.978/2020.

[viii]Após os atos do dia 08 de janeiro de 2023, é recomendável que se observe a necessidade de alterações do Plano de Ação a ser enviado em março 31 de março.

[ix]Nos termos do art. 65 da Circular BACEN nº 3.978/2020.

[x]Nos termos dos arts. 5º e 6º, §2º, ambos da Resolução CMN nº 4.557/2017.

[xi]Nos termos do arts 1º, inciso IV, e 170, ambos da Constituição Federal de 1988.

[xii]Neste ponto, vale notar que é vedado à instituição dar conhecimento ao investigado por financiamento do terrorismo dessa condição.

[xiii]Nos termos do art. 5º da Resolução CMN nº 4.753/2019 e do art. 12 da Resolução BCB nº 96/2021.

[xiv]Nos termos do art. 67 da Circular BACEN nº 3.978/2020.

EDUARDO BRUZZI – Sócio do BBL Advogados e responsável pela área consultiva regulatória de Payments, Banking, Fintech & Crypto. Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Visiting Scholar pelo Institute for Law & Finance da Goethe-Universität de Frankfurt. Professor da pós-graduação em Direito Regulatório da UERJ. Autor e coordenador do livro “Banking 4.0: Desafios jurídicos e regulatórios do novo paradigma bancário e de pagamentos”.

DANIEL BECKER – Sócio fundador do BBL Advogados. Diretor de Novas Tecnologias do CBMA e membro das Comissões de Assuntos Legislativos e 5G da OAB-RJ.

AYLTON GONÇALVES – Associado sênior da área consultiva regulatória de Payments, Banking, Fintech & Crypto do BBL Advogados. Mestrando em Direito pelo IDP. Pós-graduado em Direito Societário (EBRADI), Direito Processual Civil (IDP) e Direito Digital e Proteção de Dados (EBRADI). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Regulação Econômica e Direito Regulatório do IDP (GEDIR-IDP).

Aylton Gonçalves , Banco Central , BCB , Brasília , Código Penal , Daniel Becker , Eduardo Bruzzi , terrorismo